Antes de mais nada vamos esclarecer uma coisa: esse texto não está querendo gerar viés político, nem “fazer oposição” a governadora porque o autor do texto preferia outro e acha que seria diferente com outro. Nem em Pernambuco eu voto para começo de conversa. A opinião aqui está sendo gerada com base em reportagens e textos de conhecidos portais de notícias e canais oficiais do governo, além da vivência diária desse que escreve o texto. No final dessa matéria aqui deixarei os links. Bom fazer esse disclaimer antes porque o Brasil está chato!
Dito isso vamos lá. Nas últimas semanas me deparei com duas notícias que me chamaram a atenção. As primeiras que vi foram matérias do Jornal do Commércio, tradicional jornal do Recife, assinadas pela jornalista Roberta Soares. Informações de que o Governo do Estado de Pernambuco retirou 200 ônibus da operação do STPP/RMR (Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife). Na matéria de Roberta Soares é dito que “desde o início de 2023, já são 200 coletivos a menos para atender aos mais de 2 milhões de passageiros […] o que amplia os intervalos e aumenta a lotação dos veículos, gerando desconforto”. Essa redução foi feita aproveitando o embalo do “plano de férias”. Todo mundo sabe que no período de férias escolares há uma redução na demanda, que conseqüentemente reduz a frota. O problema é que as férias escolares acabaram e o governo do estado manteve essa redução.
Também citando as reportagens da jornalista, “o que se sabe, extraoficialmente, é que a redução está sendo feita para diminuir a quantia de subsídio público que o governo do estado vem injetando no sistema, e que está estimada em R$ 400 milhões para 2023”. O Ministério Público de Pernambuco foi acionado por movimentos sociais para investigar essas reduções. As investigações estão em fase inicial.
Vale citar que o sistema de ônibus do grande Recife é gerido pela esfera estadual, e que essas reduções não são criações das empresas operadoras. As empresas são apenas terceirizadas que fazem um serviço pago pelo contratante. Do mesmo jeito que uma empresa de vigilância não reduz vigilante num banco, escola ou fórum simplesmente porque quer, também não aumenta vigilante por conta própria. Tudo é contratado e consta numa ordem de serviço. As empresas de ônibus não podem reduzir por conta própria, extingüir linhas ou tirar ônibus de uma linha para colocar em outra, sob pena de medidas administrativas por parte do estado. Quem gere isso é o estado, através do GRCT (Grande Recife Consórcio de Transporte), uma empresa pública estadual, não o dono da empresa de ônibus, o CCO ou o despachante do terminal.
Recife é conhecido como detentor do pior trânsito do Brasil em várias reportagens. Não acredita? Digite no Google agora mesmo “pior trânsito do Brasil” e certifique-se. Se você se assustou, claro que São Paulo e Rio de Janeiro são maiores, tem mais carros, tem mais habitantes etc, mas PROPORCIONALMENTE Recife tem o pior trânsito. Explico um exemplo: se levamos 13 minutos para andar 10 km em São Paulo, para andar os exatos mesmos 10 km em Recife levamos 20 minutos ou mais. Quem é do Recife ou já andou por lá sabe muito bem como é. Ruas pequenas, falta de vias expressas, buracos, interdições constantes, motoristas desrespeitosos, acidentes, obras que nunca acabam, alagamentos etc. A lista de problemas nativos do Recife é uma redação do ENEM.
Em Junho desse ano o jornal britânico Financial Times divulgou uma lista com os 10 piores trânsitos do mundo, baseados em relatórios diários de GPS de motoristas ao redor do planeta. E não é que Recife estava lá, em 6º lugar, como a única cidade brasileira nesse top 10, ao lado de cidades caóticas como Bogotá, capital da Colômbia, e de cidades asiáticas como Manila, Bangalor e Mumbai. Confira na imagem:
Com isso vamos para a segunda notícia que tive conhecimento nas últimas semanas. O mesmo governo de Pernambuco que está fazendo reduções de coletivos lançou um pacote de propostas de mudanças fiscais, intitulado “Descomplica PE”. Dentre as propostas, a que nos interessa citar nesse texto: redução, facilitação e até isenção de IPVA. O tal do imposto sobre propriedade de veículos automotores que todo mundo odeia, menos o governador de cada estado, claro. No âmbito do IPVA algumas das propostas são: redução da alíqüota de 2,5% para 2,4%; ampliação de 3 para 10 a quantidade de parcelas para pagamento; isenção para algumas motocicletas e similares; dentre outras. Em Pernambuco, veículos de luxo com potência acima de 180 cavalos pagam 4% de alíqüota ao invés de 2,5 de carros mais “populares”. Na nova proposta até esses veículos pagariam 2,4%.
Aqui vai uma opinião particular deste que vos escreve: acho ótimo qualquer proposta de redução de impostos. Imposto é roubo, o poder público não administra nada direito, pois nos cobra impostos padrão Suécia/Noruega/Finlândia e nos entrega serviços padrão Brasil/Brasil/Brasil. IPVA por si só é um absurdo, mas isso é pauta para outro texto em outro local apropriado.
Porém aqui há um choque na minha visão: parece um tremendo contrassenso uma região metropolitana com trânsito já caótico reduzir frota de ônibus coletivo e criar facilidades e incentivos para veículos que nem cabem mais nas ruas. O sistema de ônibus atual do Recife na teoria não é ruim, se não fosse o trânsito, desconforto e insegurança. Na teoria temos conexões por todas as cidades metropolitanas com uma tarifa só. Também temos bons horários, com várias linhas operando até tarde da noite e linhas com intervalo de até 4 minutos nos horários de pico. Em João Pessoa, capital ao lado, desde a pandemia que o sistema não é mais o mesmo. Tem linha que encerra às 18 horas em dias úteis e ao meio dia no sábado, dá pra acreditar? No Recife até linhas alimentadoras em bairros distantes tem viagens após 22 horas. O bacurau de João Pessoa, lá chamado de “tetéu”, simplesmente não existe mais como antes da pandemia, que operava com 12 linhas em intervalos médios de 1 hora por toda a madrugada. Em Recife temos 40 linhas noturnas que funcionam muito bem sem trânsito, com pontualidade digna da Inglaterra.
Se não fosse o péssimo trânsito, os ônibus conseguiriam ter mais pontualidade, sendo mais eficientes em conexões e baldeações. O passageiro não se perderia em inúmeras filas acumuladas por causa dos atrasos. Dependendo da origem e destino do passageiro, existem trajetos que superam 2 horas por sentido. Isso mesmo, 4 horas diárias perdidas no trânsito. Por que não tirar do papel os projetos de mobilidade urbana parados desde a Copa do Mundo de 2014? Por que o estado não se dedica a concluir o corredor exclusivo da Rodovia PE-15, tratada com desleixo até hoje, meu Deus do Céu??
Na imagem como está e como era o projeto da Rodovia PE-15 na maquete. São carros, motos, caminhões, carretas, ônibus e tudo mais na principal ligação da área norte do grande Recife jogados em duas faixas mistas num trânsito infernal, enquanto a obra do corredor exclusivo segue em ritmo de tartaruga aleijada. Por que o estado não moraliza a desordem no transporte público, com assaltos constantes, marginais intimidando passageiros até com ratos, coibindo os pulos de catraca e embarques irregulares???
Parece mais uma rendição fracassada. Não resolve nem o trânsito nem os ônibus, então toma aí uma facilidade de IPVA para você se estressar no seu carrinho achando que tá bom e tá beleza… o estado de Pernambuco precisa trabalhar isso, sob pena de travar mais do que já é, gerando poluição, stress, acidentes, mortes e improdutividade diariamente.
Links das reportagens citadas:
Por Tarso Leafar Domício Cardona
Imagens: Divulgação / Diário de Pernambuco / Governo PE /
