Escritório incompatível para o porte da empresa foi usado para garantir processo da Itapemirim em Vitória, diz TJES

Grupo Itapemirim transferiu a sede administrativa um mês antes de ajuizar pedido de recuperação judicial. O local tinha dimensões reduzidas e incompatíveis com o porte da empresa
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Por A Gazeta
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JC Barboza

Um mês antes de entrar com o processo de recuperação judicial, em fevereiro de 2016, o Grupo Itapemirim transferiu a sede da empresa de São Paulo para um escritório no Espírito Santo. O objetivo, de acordo com a conclusão de um Processo Administrativo (PAD) contra o juiz do caso, era atrair a tramitação da recuperação para a 13ª Vara Cível de Vitória, o que de fato aconteceu, conforme registrado no voto da desembargadora Elisabeth Lordes, relatora do PAD que levou à aposentadoria compulsória do juiz Paulino José Lourenço, que era titular da Vara. A Gazeta teve acesso exclusivo ao documento. O escritório, como descrito no PAD, era de fachada.

O espaço em Vitória, para onde a sede da empresa foi transferida, tinha dimensões reduzidas, segundo a juíza, incompatíveis com o porte da empresa e “insuficiente para comportar até mesmo a estrutura necessária para a administração”. Isso, contudo, foi ignorado pelo magistrado.

“A data de transferência formal da empresa e as características do local para onde foi transferida a sede da empresa são suficientes para demonstrar que se tratava de um escritório de fachada”, destacou Elisabeth Lordes no voto.

A decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) de punir o juiz Paulino José Lourenço com a aposentadoria compulsória, pena máxima na esfera administrativa, foi proferida, à unanimidade, em novembro do ano passado, nos termos do voto da relatora. A Corte concluiu que o magistrado foi favorecido financeiramente para direcionar decisões do processo de recuperação judicial do Grupo Itapemirim.

Paulino José Lourenço foi o primeiro juiz a atuar no processo, em que permaneceu até novembro de 2017, quando decidiu deixar o caso. Na ocasião, ele foi alvo de representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), formulada pelo fundador e ex-sócio da Itapemirim, Camilo Cola. Uma das alegações, na época, era a da atuação do filho do magistrado, um advogado, na Vara comandada pelo pai.

“TRANSFERÊNCIA SIMULADA”

A competência para aprovar o plano de recuperação judicial de uma empresa é do juízo do local do estabelecimento do devedor, em que a atividade se mantém centralizada. No caso da Itapemirim, as principais atividades da empresa se davam em São Paulo, onde ficava a sede administrativa.

Em janeiro de 2016, um mês antes de entrar com o pedido de recuperação judicial, o grupo transferiu a sede para um escritório em Jardim Camburi, Vitória. O local, de acordo com a relatora, não tinha estrutura para comportar sequer a administração da empresa.

Dias depois foi verificada a transferência também da sede de outras empresas que pertenciam ao grupo.

“O pequeno lapso temporal em que se verificou a alteração das sedes de todas as empresas do Grupo Itapemirim já indicava a existência de verdadeira simulação, com objetivo de direcionar a recuperação judicial para a 13ª Vara Cível de Vitória”  Elisabeth Lordes – Desembargadora do TJES, em voto proferido

Apesar da transferência formal da sede administrativa, que já levantava suspeitas de simulação, o juiz titular da Vara também ignorou, segundo a desembargadora, o fato de que o maior volume de negócios da Itapemirim se concentrava em São Paulo. Portanto, a recuperação judicial era de competência do Estado paulista.

Em depoimento, o magistrado alegou que a omissão representaria error in procedendo, que é quando se comete um erro por não se obedecer determinadas normas processuais. A desembargadora, contudo, refuta essa hipótese, afirmando que houve desvio ético.

“Os documentos não deixam dúvidas de que a atuação não se tratou de mera violação às normas processuais de competência, mas violação de direitos funcionais do magistrado.”

Em 2018, já após a saída de Lourenço da Vara, portanto, o juiz Leonardo Mannarino Teixeira, que atuava como titular, conheceu a incompetência do juízo para atuar no caso e remeteu o caso a São Paulo.

INFLUÊNCIA NO PROCESSO

No voto, a desembargadora reproduz um trecho da decisão do magistrado que decidiu por remeter o caso à Justiça paulista. No documento, o juiz diz que Camilo Cola, um dos sócios da recuperanda na época do ajuizamento, afirmou textualmente, em petição ao CNJ, que as sedes das empresas “foram transferidas para escolher o juízo do processamento da recuperação judicial”.

A escolha da 13ª Vara foi motivada, segundo a desembargadora, pela influência que o administrador judicial Jerry Ricaldi tinha entre os magistrados, especialmente o juiz Paulino José Lourenço.

Ricaldi não atuou no processo de recuperação judicial da Itapemirim, mas era o elo entre o grupo e o juiz titular da Vara. Ele teria, inclusive, recebido quantias de dinheiro de executivos da Itapemirim em datas próximas ao ajuizamento da recuperação judicial, como consta no voto da relatora.

A desembargadora Elisabeth Lordes reproduz um trecho do depoimento de Ricaldi, que afirma ter sido procurado pelo Grupo Itapemirim apenas para esclarecer dúvidas e assessorar no processo de recuperação judicial.

Para a relatora, contudo, o interesse “não se tratava de mero auxílio, mas na posição privilegiada que o administrador judicial tinha na Vara.

“O senhor Jerry tinha forte influência no juízo, inclusive com o Dr. Paulino, sendo mais um fato que demonstra que a mudança da sede do Grupo Itapemirim para esta capital tinha como objetivo atrair a competência da 13ª Vara Cível de Vitória, diante do fácil acesso que o administrador judicial tinha dentro da unidade judiciária e, especialmente, com o magistrado”, registra.

O OUTRO LADO

A Gazeta procurou a defesa do juiz Paulino José Lourenço para comentar o PAD. Na última terça-feira (12), o advogado Cássio Rebouças informou que não poderia comentar o caso por estar em segredo de justiça. Ele frisou que “o voto da relatora é baseado em uma série de presunções”.

Jerry Ricaldi também foi procurado pela reportagem. Por meio de nota, o filho dele, o advogado Renan Ricaldi, informou que desconhecia o teor do PAD, por se tratar de processo que tramita sob sigilo. Ele disse ainda desconhecer os fatos relacionados ao pai e o processo do Grupo Itapemirim.

Na época dos fatos narrados no PAD, o Grupo Itapemirim era controlado pela família Cola. Em novembro de 2016, por decisão do magistrado, o controle societário da empresa foi transferido para os atuais administradores, empresários de São Paulo.

Por meio de nota, o advogado da família Cola, Olavo Chinaglia, informou que os fundadores da empresa foram vítimas de um golpe, que contou com a participação de ex-executivos do Grupo Itapemirim e os atuais credores, em parceria com o magistrado.

“Conforme denúncia feita em 2017 ao Conselho Nacional de Justiça por Camilo Cola, fundador do Grupo Itapemirim, o magistrado aposentado praticou, em conluio com ex-executivos do Grupo e com os seus atuais controladores, uma série de ilegalidades, causando prejuízos substanciais à família Cola. Dentre as ilicitudes cometidas pelo juiz afastado, destaca-se a decisão proferida em 19 de novembro de 2016, ocasião em que o juiz  mandou transferir o controle da Itapemirim para seus atuais gestores. Para que não restem dúvidas: a família Cola foi e continua sendo vítima de ações criminosas praticadas pelo ex-juiz e por outras pessoas inescrupulosas envolvidas no processo.”

A reportagem entrou em contato com os atuais administradores do Grupo Itapemirim, mas eles não se manifestaram sobre o caso


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