É o fim das circulares de bairro?

Antes "solução da lavoura", circulares de bairro estão sendo desfeitas ou não mais voltam, uma vez que se contrapõem ao modelo de integração.
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Por Ônibus Paraibanos e Blog Josivandro Avelar
Imagem Paulo Rafael Viana

É fato: o sistema de transporte coletivo de João Pessoa não voltou o mesmo de antes, quando ficou parado por quase cem dias em decorrência da pandemia da COVID-19. A Semob-JP e a Sintur aproveitaram a ocasião e assim estão praticamente estão redefinindo o sistema, retornando várias linhas e criando outras novas. Quem dançou nisso tudo foram várias circulares de bairro, criadas ao longo dos anos a partir da fusão de várias linhas radiais. Isso foi visto durante muito tempo como solução num período em que sequer existia integração. Era só pegar duas linhas do mesmo terminal que passavam em dois corredores distintos e fundir em linha circular. Solução simples até demais.

O que está sendo visto agora é um movimento contrário a onda de “circularizações” de linhas radiais. Ao que parece, só agora perceberam que o modelo é um obstáculo a qualquer sistema integrado. Isso porque reduz a possibilidade de integração entre as linhas, uma vez que pelas restrições da Integração Temporal, não conseguem se integrar entre si por serem circulares. As únicas circulares sobreviventes, por sinal, são as circulares puras, criadas nos tempos de Setusa, bem como a 1510/5110, da década de 1990. Além da 1001, esta transversal.

Diferente das circulares de bairro, as circulares puras fazem jus ao nome que carregam, bem como a própria lógica de suas existências.

Não sobrou nada – ou melhor, até sobrou

Por bem dizer, só dois pares das circulares de bairro sobreviveram: os pares 3510/5310 e 3507/5307. Do par 1519/5120, só o segundo sobreviveu – e não se sabe porquê foi preferível que somente o 5120 rode. Já os pares 2303/3203, 2307/3207, 2514/5206, 2515/5210, 2501/5201 e 2509/5209 não retornaram, e o par 2515/5210 se divorciou, voltando a ser o que eram antes de se fundirem em 1999: as radiais 515 e 210. Na previsão de hoje, é muito difícil que essas linhas mencionadas retornem.

Um detalhe nisso tudo: o corredor da 2 de Fevereiro era passagem para a maioria dessas linhas que não retornaram. De nove linhas desse corredor que iam para a Epitácio Pessoa, as opções foram reduzidas a zero. De um ponto para outro, os moradores do Rangel e do Cristo – uma área densamente povoada com quase 54 mil habitantes – só podem contar com a Integração Temporal. Nem a própria 5204, que ligava o Cristo ao Manaíra Shopping, teve sua volta cogitada, mesmo esta não sendo uma circular de bairro como as outras.

Os pares 2303/3203 e 2307/3207 viraram a atual versão da 207, que atende sozinha a área da Josefa Taveira para o corredor 2 de Fevereiro. Quem ia pro Cidade Verde usando 2509/5209 – ou pela Josefa Taveira usando 2514/5206 – hoje usa a 517, outrora Castelo Branco/Epitácio, dando a entender terem dado desse modo a solução da histórica sobreposição dessa linha a várias outras. 2515 e 5210 tiveram seu “divórcio” anunciado; voltam a ser 515 e 210. E o Colinas do Sul só tem opção de ir pelo corredor de Cruz das Armas; sua circular não retornou e uma nova linha foi criada, só que radial e pelo mesmo corredor 1.

Voltar ao normal? Talvez estejamos nele
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Voltar a apostar em radiais é uma aposta em todas as fichas na Integração Temporal, que teve o seu tempo aumentado em 80 minutos nesse pós-pandemia. Isso porque as circulares de bairro praticamente reduziam as opções de combinação e de integração temporal, uma vez que circular com circular não integra no validador.

Mesmo uma integração física não parecia combinar com esse tipo de proposta, criada justamente numa época em que nem essa possibilidade havia. Grande parte dessas linhas foi criada entre 1994 e 1999 – quando não havia ainda sequer possibilidade de integração. Ainda houve várias outras criadas quando os recursos de integração física e eletrônica já existiam. Assim, só uma sacudida muito grande no sistema controlaria esse vício.

E a sacudida veio?

A sacudida que parecia improvável de acontecer parece ter vindo, e ela foi a paralisação imposta por decreto para conter a pandemia da COVID-19. Se quase cem dias são suficientes para desacostumar a população daquela estrutura de outrora, na visão das cabeças de todo o processo, a retomada seria para acostumar ao “novo normal” do sistema, onde toda a “bagunça” na estrutura das linhas estaria sendo arrumada e assim se conseguiria uma melhor eficiência do sistema.

Como o transporte em João Pessoa é algo onde costumes dos passageiros não são fáceis de se mudar, ainda há quem sinta falta dessas linhas. Afinal, criam-se referências muito rápido, e criar novas referências não é fácil numa população que costuma ser a elas resistente.

Então, o normal vai sendo esse, e o que esse “novo normal” vai derrubando é a cultura das circulares de bairro. Na compreensão de que esse modelo de sistema foi superado, é mais fácil pedir a recomposição da cobertura – como por exemplo a volta da 208, o Vale das Palmeiras está sem transporte – do que de linhas que só agora parecem ter sido enxergadas como obstáculos para qualquer modelo de integração depois de anos sendo vistas como soluções da lavoura.