As promessas da mobilidade urbana de 1996

Depois do bonde moderno de 1990, achamos mais uma daquelas promessas furadas da mobilidade urbana pessoense, datada de 1996
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Por Josivandro Avelar
Imagens JC Barboza / Acervo histórico Ônibus Paraibanos

Quando eu digo que promessas de fórmulas mágicas e milagrosas para a mobilidade urbana não são nenhuma novidade, achei mais uma nos acervos do Ônibus Paraibanos, quando foi feito um levantamento histórico do transporte através das páginas dos jornais. E a promessa da vez foi feita há 24 anos atrás, ano de 1996.

Se o pontapé para contar que essas histórias já são velhas foi uma matéria do Portal Correio, a nossa história veio de um recorte do jornal Correio da Paraíba – do mesmo grupo de comunicação. Numa edição de domingo – dessas que chegavam na casa dos assinantes paraibanos no sábado – 04 de agosto de 1996, a promessa da vez era essa aqui:

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E não era uma – foram duas promessas (e no final do texto conto uma terceira promessa discreta). E lá está ele, o bonde, mais uma vez. Vamos relembrar mais uma daquelas promessas furadas da mobilidade urbana em João Pessoa.

A “obra do milênio”

Na matéria, ilustrada com um ônibus biarticulado de Curitiba que nem em sonho foi visto aqui – quiçá no Nordeste – menciona-se que um corredor para ônibus articulados seria “a maior obra de impacto no transporte coletivo que a Prefeitura de João Pessoa terá de realizar para atender a demanda da população, no início do próximo milênio”.

Vamos chegar mais perto e ler:

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Ressalte-se que o milênio começou em 2001. E estamos em 1996.

O trajeto original do tal ônibus articulado seria entre o Mercado Central e Mangabeira passando pela Pedro II. Repare que toda promessa que se faz de transporte de alta capacidade tem a ver com a linha 301, de fato uma das linhas de maior demanda da capital. No passado foi assim, no presente é, e no futuro vai ser.

A matéria ainda dizia que a obra teria de ser iniciada “no próximo (ano?) na (atual?) gestão do prefeito (à época), quando – olhem só – “o atual sistema de ônibus terá sua sobrevida esgotada”. Lembrando que estamos falando do atual sistema de ônibus da capital, esse mesmo que roda em 2020.

Pronto, podemos voltar para 1996?

Crescimento subestimado

A matéria conta sobre a saturação no tráfego do Centro, “onde a maioria das vias ainda mantém um traçado do século passado – agora retrasado – e já não suporta o fluxo de automóveis a que é submetida”.

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O traçado do Centro e seu trânsito caótico não mudaram muita coisa em 2020. De lá para cá aconteceram intervenções pontuais, como Parque da Lagoa, Praça Napoleão Laureano, o próprio Ponto de Cem Réis no início do milênio, mas nenhum deles alterou sensivelmente o traçado das vias, a não ser que hoje o trânsito do anel interno da Lagoa já não exista mais.

Mas aí a matéria do Correio da Paraíba de 1996 relata que “o corredor de ônibus articulados seguiria a tendência de crescimento da cidade para a Zona Sul, onde estão alguns dos maiores bairros da cidade, como Mangabeira e Valentina de Figueiredo”. Sim, a cidade cresceu e acabou indo além desses bairros. Gramame e Colinas do Sul que o digam.

O Gramame já existia, mas era uma comunidade rural, e o Colinas do Sul era um loteamento construído naquela área algum tempo depois, coisa de 1998, por aí. Conjuntos habitacionais e mais loteamentos fizeram aquela área até então isolada “colar” no Valentina. A cidade agora cresce por ali.

E como não contávamos com isso…

E lá vamos nós…

O custo dessas obras seria de R$ 25 milhões em 1996 – este custo, cabe lembrar, seria maior que R$ 100 milhões em valores atuais, contando com todos os juros, correção monetária e inflação e – lá vem ele – abriria caminho para a implantação dos bondes elétricos na capital.

Vamos chegar mais perto e ler.

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Aqueles mesmos bondes que nunca saíram do papel nem em 1991, nem em 1996, nem muito menos em 2011. E a matéria ainda falou que a possibilidade de se alargar as ruas do Centro da cidade foi descartada por causa dos prédios históricos.

O melhor de mais essa promessa ainda está por vir: o percurso dos tais ônibus.

Ele utilizará a estrutura básica do corredor de escoamento da avenida D.Pedro II, apenas com o alargamento de alguns trechos e pavimentação de muitas ruas nos bairros dos Bancários, Água Fria e Mangabeira. O projeto será a base da implantação dos bondes.

Matéria do jornal Correio da Paraíba de 4 de agosto de 1996

O mais próximo que a Pedro II chegou de um corredor de ônibus é uma faixa exclusiva que se estende da esquina da Av. Tabajaras até o Jardim Botânico, implantada há pouco menos de três anos e até hoje em funcionamento. Ocorreram obras em 2006 na Via Expressa Padre Zé, na UFPB, com uma “baia” de ônibus, mas nada além disso.

Sigamos…

As obras entre o Mercado Central e a estação final começarão com a construção de uma grande estação de passageiros. Na Av. D.Pedro II, acontecerá o alargamento da pista, com a criação de uma via exclusiva para os ônibus.

Matéria do jornal Correio da Paraíba de 4 de agosto de 1996

Só lembrando: a atual faixa de ônibus da Pedro II é pintada – a via atualmente tem três faixas, as duas de carros e a de ônibus onde eu mencionei anteriormente. E bem, estação no Mercado Central é algo que já apareceu em outras promessas furadas que já pesquisei.

Sigamos mais uma vez…

Depois da ladeira da entrada da sede do Ibama, a via exclusiva dos ônibus articulados se transformará num pequeno túnel até o conjunto Castelo Branco III, ao invés de seguir o atual trajeto dos coletivos que servem a Zona Sul da cidade, eles contornarão todo Campus da UFPB e atingirão o Conjunto dos Bancários para utilizar a rua Waldemar Accioly, no interior do bairro.

Matéria do jornal Correio da Paraíba de 4 de agosto de 1996

Para situar: a rua Waldemar Accioly, para quem não sabe, é as “Três Ruas”, que até hoje não é ligada a via de contorno da UFPB. Nem essa obra de 2006 fez isso. A ladeira do Ibama já passou por obras de alargamento – as pistas passaram de duas para três faixas -, e bem, já saturou.

A parte do “pequeno túnel” foi a melhor parte da promessa. Nem eu entendi. Segundo o jornal, a escolha se deu para desafogar o tráfego na principal dos Bancários, passando por ruas paralelas até a Estrada de Mangabeira – nem de Hilton Souto Maior chamavam na época, mas o nome é esse. Mas quem pega o 3510/5310 sabe muito bem que nem de longe as vias são usadas como alternativa de trânsito, embora houvesse a possibilidade.

O retorno para o Centro se daria onde atualmente se dá a volta do corredor da Pedro II (Nossa Senhora de Fátima e Camilo de Holanda) até a Lagoa, com possibilidade de utilizar a Beira Rio.

O tempo de vida útil do corredor? 15 anos. Se existisse, esse tempo terminaria em 2011.

Olha quem está de volta na história: o bonde

E no final deste tópico, vem acompanhada de mais uma promessa furada até hoje nunca cumprida. Então sigam o fio e descubram qual é a que nem eu esperava. Mas antes, vamos falar daquele bonde que reapareceu nessa matéria.

Sim, ele mesmo. Quem está de volta em mais essa promessa furada da mobilidade urbana é o tal “bonde de 1991“. O que ia custar 16 milhões de cruzeiros à época. Agora em 1996, o custo do projeto seria de R$ 120 milhões. Imagine isso nas cifras de hoje. E se você ler a matéria do bonde, vai ver que a história contada é a mesma.

https://josivandroavelar.com.br/tem-bonde-na-linha-so-que-nao/

E então: o itinerário seria esse mesmo do tópico acima, que os bondes teriam capacidade de 60 passageiros sentados, com velocidade média de 65 Km/h, comunicação por rádio entre todas as composições, permitindo o socorro mecânico imediato, essas coisas… Que nunca ninguém viu.

Outra promessa furada vem no final da matéria: a CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos – começaria a implantar a integração entre trens e ônibus até o próximo ano. O próximo ano era 1997. E bem, nem preciso falar se existe algum tipo de integração entre ônibus e trens né? É porque não tem. E ainda com a possibilidade de “até conseguir reduzir a tarifa média dos serviços”! Só lembrando que a tarifa dos trens vai subir para dois reais. Sem mais.

E ainda contrataram uma empresa para estudar a tal integração e o planejamento dos investimentos no transporte coletivo em João Pessoa, Bayeux, Cabedelo e Santa Rita. O que se viu até hoje foi pouca coisa.

E no que chegamos mais perto disso?

Eu vou resumir em uma foto em que chegamos mais perto de um “corredor de ônibus articulados” em João Pessoa:

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O mais perto que chegamos de um ônibus articulado foi isso.

Sim, o mais perto que chegamos foi isso. E por bem dizer, nem tem mais. Nem foi algo, posso dizer assim, planejado. Foi como foi. E ontem à noite rodou um articulado na linha 2300-Circular, em que parte do itinerário é via Pedro II até Mangabeira, passando no Valentina. Mas só por ontem à noite.

No mais, chegamos a 2020 e o que temos ainda são ônibus comuns de um sistema que se diz saturado nesses mesmos roteiros. Perspectiva de mudanças, poucas ou nenhuma. E como se sabe, é preciso ação, porque planejamento, como visto, já fizeram demais.

Por isso que eu digo e volto a dizer: fique com o pé atrás nas promessas eleitorais deste ano. Porque com certeza, coisas como essa vão voltar, vão fazer as mesmas especulações, lançar projetos que micam como o do BRT, e no fim lá tô eu de novo escrevendo sobre promessas furadas da mobilidade urbana.