“Setusa: o último dia”

De Ônibus Paraibanos Por Kristofer Oliveira / Josivandro Avelar Imagens Acervo Paraíba Bus Team Nos oito anos em que operou, a Setusa foi de solução a problema. As mudanças de gestão e de ordem de ...

De Ônibus Paraibanos
Por Kristofer Oliveira / Josivandro Avelar
Imagens Acervo Paraíba Bus Team

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Nos oito anos em que operou, a Setusa foi de solução a problema. As mudanças de gestão e de ordem de prioridades levaram a empresa estatal do céu ao inferno, a ponto de uma hora não conseguir mais operar da maneira como começou. Por conta disso, a empresa, quebrada, teve suas linhas licitadas para a iniciativa privada, num processo que durou menos de dois meses. Em maio de 1996, deu-se o fim da Setusa, e a transferência de suas linhas para a Transnacional, vencedora da licitação, feita na gestão do então governador José Maranhão

Conforme anunciado no mês de março, no dia 04 de abril foi divulgado o edital de licitação com o lote de linhas da empresa. O governo evitava falar em privatização, mas sim ressaltava que seria um processo de terceirização, com a justificativa de que, se fosse privatização, a vencedora teria que herdar as dívidas, fator que não interessaria nenhuma empresa, por mais que suas linhas fossem rentáveis. Já com a terceirização, o valor arrecadado, junto com o leilão do que sobrou da empresa, serviria para pagar as dívidas trabalhistas, além do ISS. A seleção da empresa levaria em conta os seguintes requisitos:

  •  Idade média da frota, que não deveria ultrapassar 3 anos e 6 meses;
  • Lance mínimo de R$ 500.000;
  • Prazo para operação das linhas, que deveria ser o mais rápido possível;
  • O tempo do contrato duraria cinco anos;
  • Deveria contar com uma frota composta por 37 veículos;
  • Os funcionários da estatal teriam que ser absorvidos pela empresa em até 90 dias;
  • A documentação apresentada deve respeitar a lei 8666 que rege a concorrência pública.

Participaram vinte e uma empresas de todo país, e apenas duas continuaram dentro da licitação, após análise prévia da comissão. Eram a Transnacional e Reunidas. O previsto era o resultado ser divulgado no dia 19 de abril e após quatro dias, a homologação aconteceria pelo governador em cerimônia. Porém, no dia 20 de abril, as empresas que ficaram de fora da etapa preliminar entraram com recursos administrativos, impetrados pela Transurb, Boa Viagem, ambas pessoenses, além da Riacho Doce de São Paulo. Conforme a comissão, elas ficaram de fora do processo por não terem apresentados a documentação completa dentro do prazo.

No dia 02 de maio a comissão de licitação presidida por Gilvandro Almeida Ferreira, divulga o resultado, que foi vencido pela Transnacional. O valor que a Setusa arrecadou foi de R$ 1.111.000, sendo R$ 711.000 pelo lance, R$ 300.000 pagas em parcelas, além de R$ 100.000 de calção. A sua “concorrente”, Reunidas, deu o lance de R$ 610.000. Dos trinta e sete carros, trinta e dois foram zeros e outros cinco considerados reservas estavam dentro da idade média prevista e em plenas condições de circularem. Os modelos zeros foram: Marcopolo Torino GV OF-1620 e Busscar Urbanus OF-1620.

Quatro dias depois, no dia 06 de maio, acontece a solenidade de homologação no Palácio da Redenção, participando do evento o governador da Paraíba, José Maranhão, o prefeito de João Pessoa, Francisco Franca, o diretor da Transnacional, Agnelo Cândido, o diretor-presidente da Setusa, Robson Lopes e o presidente da STP, Ronaldo Gadelha. Após o meio-dia, no fim da solenidade, a frota da Transnacional começa a entrar em operação nas linhas terceirizadas. Na ocasião, o governo do estado firmou um acordo com a prefeitura pessoense garantido que todo débito da Setusa seria sanado.

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Na última frota da Setusa, estavam circulando apenas doze ônibus nas suas cinco linhas. E possivelmente o último dia de operação da empresa foi justamente no dia que foi assinado a terceirização, e após a Transnacional começar a operar após o meio-dia, os carros da estatal ao longo do dia foram saindo de operação, restando apenas as boas e más lembranças no imaginário da população.

Da mesma forma que a fundação da empresa foi uma decisão do povo, pode-se dizer que a sua extinção também foi, uma vez que era evidente a insatisfação da qualidade do serviço prestado, na qual a ação do governo teve forte apoio popular. Com a entrada da Transnacional nessas linhas importantíssimas usadas por uma parcela considerável da população que não tinha transporte particular, e lógico, com a inquestionável melhora dos serviços, na qual os ônibus eram novos, bem conservados, higienizados, os horários eram cumpridos, pouco importava para esses mesmos populares se o monopólio do Grupo A Cândido tinha aumentado. A necessidade de ir e vir sobressaia à opinião desses.

Uma inquietação acerca da licitação

Uma coisa que inquieta bastante é analisar os fatos do processo dessa licitação. Das vinte e uma empresas, dezenove ficaram para trás na fase preliminar, e as duas sobreviventes pertencem ao mesmo grupo, inclusive compartilhando a garagem e as demais dependências. A justificativa da comissão é que elas não tinham apresentado a documentação completa, no que tange o dispositivo que rege as licitações públicas, a lei 8666. Como é que essas quantidades de empresas, de todo país, teriam esse descuido? Curioso que quatro dias após a divulgação do resultado, a Transnacional cumprindo o que prometera na sua proposta, colocou toda frota prevista em circulação. E ainda considerando que alguns deles, no caso dos Urbanus, a exemplo do 0739, foram fabricados em 1995, mas só estrearam minimamente cinco meses depois. Antes mesmo de a licitação acontecer, a empresa já tinha encomendado esse grande lote de GV zeros que foi entregue no Palácio da Redenção na cerimônia, e já constando as linhas da Setusa nas suas vistas, na sequencia, e não no final do rolo da lona. Como ela teria certeza de que venceria essa licitação, a tal ponto de fazer esse preparo prévio?

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O tempo entre o edital de divulgação e a consolidação da terceirização foi um pouco mais de um mês. Nenhuma empresa teria condições de em curto espaço de tempo fazer uma encomenda de carros novos, ou até mesmo seminovos, ainda mais sabendo que estaria participando de um processo público, sem nenhuma garantia de que ganharia. Nenhuma empresa em sã consciência faria isso, pois poderia ter prejuízo.