A Marcopolo era só uma oficina e virou potência global

Fonte: Exame Fotos: Divulgação / JC Barboza / Gilberto da Costa Junior Ao menos um dia por mês, os diretores da Marcopolo, fabricante de ônibus com sede em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, passam ...

Fonte: Exame
Fotos: Divulgação / JC Barboza / Gilberto da Costa Junior

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Ao menos um dia por mês, os diretores da Marcopolo, fabricante de ônibus com sede em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, passam algumas horas percorrendo as linhas de produção de uma das duas unidades da empresa na cidade.

O objetivo: apenas bater papo com os empregados. Nessas ocasiões, os executivos ouvem sugestões, fazem perguntas e trocam ideias com os operários.

A passagem dos chefes não parece abalar a rotina de ninguém — numa tarde de junho, por exemplo, três funcionárias faziam uma pausa no trabalho e conversavam animadamente, sentadas no assoalho de um ônibus semiacabado a poucos metros de onde os diretores falavam com os outros peões.

“Precisamos manter a conexão com o pessoal”, diz José Rubens de la Rosa, diretor-geral da empresa. “Queremos mostrar a eles que nos importamos com o que fazem. É um traço marcante de nossa cultura.”

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De uns anos para cá, essa cultura foi se disseminando pelo mundo à medida que a Marcopolo se internacionalizou. Em 2013, sua produção passou de 30 000 ônibus — aproximadamente dois em cada cinco deles feitos fora do Brasil. A empresa é a sétima no ranking mundial dos fabricantes de ônibus, com 6% do mercado, segundo a consultoria alemã  SCI.

Tem 12 fábricas localizadas em países como Colômbia, México e África do Sul, além de participações menores em mais duas unidades no Canadá e nos Estados Unidos. Foi um processo que se consolidou na última década.

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Linha de montagem da Marcopolo: cerca de 70% dos componentes das carrocerias são produzidos internamente

Desde 2004, a Marcopolo construiu uma ­fábrica própria na China e se juntou a companhias locais na Austrália, no Egito, no Canadá e na Índia, onde é sócia da Tata Motors. Segundo um estudo da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, a empresa é a 19ª companhia brasileira mais internacionalizada.

No ano passado, seu lucro líquido chegou a 105 milhões de dólares para uma receita de 1,15 bilhão de dólares e uma rentabilidade de 15% sobre o patrimônio. Esses feitos levaram a Marcopolo a ser escolhida a Empresa do Ano de Melhores e Maiores 2014.

O negócio da Marcopolo é montar carrocerias sobre chassis de fornecedores como Mercedes-Benz, Volvo e Scania. No Brasil, suas fábricas estão no Rio Grande do Sul, onde produz ônibus rodoviários, usados em viagens mais longas, e em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, onde faz os veículos urbanos.

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Uma quarta fábrica foi sendo construída na cidade capixaba de São Mateus para produzir os miniônibus Volare, que são montados em Caxias do Sul e respondem por 20% do faturamento.

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“Esse modelo, no qual o cliente escolhe o chassi e encomenda a carroceria de outra empresa, predomina nos países em desenvolvimento”, diz Luis Roberto Pimenta, presidente da divisão de ônibus da Volvo na América Latina.

“Em mercados mais desenvolvidos, os ônibus são mais padronizados e as grandes montadoras geralmente dominam o mercado vendendo os veículos completos.” No Brasil, esse tipo de empresa surgiu no século passado, quando era preciso improvisar para construir um ônibus por aqui.

A Marcopolo nasceu no fim dos anos 40, quando o gaúcho Paulo Bellini, hoje com 89 anos, se associou aos irmãos Dorval Antônio, Nelson, João e Doracy Luiz Nicola, donos de uma oficina mecânica em Caxias do Sul, para fabricar carrocerias de madeira e adaptá-las a chassis de caminhões.

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Mauro Bellini, presidente do conselho de administração: a companjia tem a meta informal de dobrar de tamanho a cada cinco anos

Na época, um veículo levava 90 dias para ficar pronto. Os Nicola saíram da sociedade em 1968 e, desde então, a família Bellini tem 17% do capital — 71% está na Bolsa de Valores de São Paulo.

A presença internacional faz da Marcopolo um ponto fora da curva num momento em que as indústrias brasileiras perdem espaço no exterior.

No ano passado, o déficit na balança comercial de produtos manufaturados chegou a 105 bilhões de dólares, o maior da história e um resultado que reflete as perdas de competitividade causadas pelos gargalos de infraestrutura, os impostos elevados e a burocracia enroscada.

A Marcopolo encontrou o antídoto para esses males ao disseminar sua produção pelo mundo. “Hoje preferimos crescer lá fora, produzindo cada vez mais no exterior, em vez de exportar do Brasil”, diz De la Rosa. A empresa vende em mais de 100 países, escolhendo onde é mais competitivo produzir para cada mercado.

No fim do ano passado, a unidade australiana começou a montar, com peças fabricadas na China, um modelo cujo projeto saiu das pranchetas dos engenheiros no Brasil. Atualmente, a maior parte dos ônibus exportados daqui vai para países da América do Sul, como Peru e Chile.

A jornada da Marcopolo no exterior começou na década de 90. Na época, a empresa exportava veículos principalmente para os países vizinhos, quando a possibilidade de produzir fora do Brasil começou a parecer atraente. Como já era dona de quase metade do mercado brasileiro, aumentar a presença no exterior parecia um bom caminho para acelerar o crescimento.

Em 1990, a Marcopolo comprou uma empresa em Portugal, onde pretendia estabelecer uma base para atuar na Europa. Depois, em 1997, abriu uma fábrica na Argentina. Os primeiros resultados não foram dos melhores. A unidade portuguesa nunca correspondeu ao que era esperado, e foi fechada em 2010.

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Base global: mercados da Rússia são atendidos pela produção da unidade da Marcopolo na China

A primeira experiência argentina durou ainda menos. Em 2001, numa das piores crises de nossos vizinhos, a operação passou a dar prejuízo e teve de ser fechada — a Marcopolo voltou à Argentina em 2007, em sociedade com a empresa local Metalpar.

“Temos uma meta informal, que é dobrar de tamanho a cada cinco anos”, diz Mauro Bellini, filho do fundador e sucessor dele na presidência do conselho de administração desde 2012 — em sua trajetória na empresa, ele foi negociador na área de exportações e representante na África do Sul, de onde abriu o mercado africano e o do Oriente Médio.

Imobilidade urbana

Empresas como a Marcopolo têm pela frente uma oportunidade e um grande desafio. Transporte e mobilidade urbana — ou, melhor dizendo, a falta dela — são questões centrais na maioria das metrópoles do mundo.

Em tese, isso abre boas perspectivas para os fabricantes de ônibus, uma vez que retirar espaço dos automóveis e abrir caminho para o transporte de massa é uma das soluções possíveis.

“Os sistemas de BRT estão em expansão no mundo inteiro, o que demanda muitos investimentos”, diz o consultor colombiano Oscar Edmundo Diaz, especialista em transporte urbano que já colaborou com projetos em 15 países. O problema é que, em boa parte do mundo, esse tipo de serviço está subordinado à regulamentação do poder público.

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Aí a coisa começa a ficar difícil. Tome-se o caso brasileiro, em que a necessidade de investimentos em mobilidade se tornou algo parecido com o propósito de levar uma vida virtuosa — quase todo mundo concorda que se trata de um objetivo louvável, embora poucos se empenhem em persegui-lo.

Em 2013, a Marcopolo sofreu os reflexos do congelamento das tarifas de ônibus urbanos, adotado nas principais cidades do país após os protestos de junho. “Num primeiro momento, o congelamento foi ruim”, diz Mauro Bellini. “Mas pelo menos a mobilidade entrou na agenda nacional, e isso pode ser bom no longo prazo.”

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Adaptar-se rapidamente às mudanças de cenário é uma das lições que as empresas em voo internacional precisam assimilar. A operação no Egito é uma amostra de como a Marcopolo se ajusta a condições que, subitamente, podem se tornar adversas.

Em 2011, durante os protestos que pediam a saída do ditador egípcio Hosni Mubarak, funcionários da Marcopolo que estavam lá a trabalho tiveram de sair do país às pressas — a fábrica precisou ficar fechada por meses e, desde então, convive com um mercado difícil. Projetada inicialmente para atender ao mercado egípcio, seu foco passou a ser o norte da África.

No fim do ano passado, a empresa fechou em conjunto com a GM, que fornecerá os chassis, um contrato para vender 1 000 ônibus ao governo do Quênia.

“Descobrimos que, no mercado internacional, é preciso se mover rápido”, diz De la Rosa. “A regra é arriscar pouco e desistir logo quando o cenário muda.” Foi o que a empresa fez na Rússia, onde abriu uma fábrica em 2005.

Quatro anos depois, as dificuldades de lidar com a burocracia russa levaram ao fechamento da unidade. Hoje a Marcopolo atua no mercado russo apenas vendendo ônibus com partes produzidas na China e montadas por um sócio local.

Recentemente, a chinesa Build Your Dream (BYD), fabricante de veículos elétricos, anunciou que pretende entrar no mercado brasileiro. Seus primeiros produtos aqui devem ser os automóveis, mas na China a BYD também faz ônibus. A liderança da Marcopolo pode ser ameaçada por competidores de fora do país, como a BYD?

Uma das dificuldades de disputar esse  mercado no Brasil é a excessiva regulamentação dos transportes urbanos e rodoviários de passageiros. Cada prefeitura impõe as próprias regras sobre como os ônibus que circulam no município devem ser — como a altura do assoalho em relação ao chão, a largura das portas ou o número de degraus das escadas.

“O Brasil é um mercado difícil para montadoras de ônibus que vêm de fora”, diz Paulo Porto, sócio do Expresso Guanabara, uma das principais empresas de transporte de passageiros do Nordeste brasileiro.

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Funcionários da Marcopolo em Caxias do Sul: a maior parte da produção das unidades brasileiras é destinada ao mercado nacional. A tendência é que a empresa produza cada vez mais ônibus fora do país.

“Empresas como a Marcopolo, que consegue ser competitiva para satisfazer os clientes daqui, se credenciam para atuar em qualquer lugar do mundo.”

Daqui para a frente, a capacidade de adaptação da Marcopolo será cada vez mais posta à prova. Com a expansão, a empresa tornou-se complexa.

Além de ter operações nos cinco continentes, é fortemente verticalizada. Cerca de 70% das peças das carrocerias são produzidas internamente — incluem-se aí desde poltronas até componentes plásticos para os painéis, que numa autoindústria tradicional costumam ser feitos por fornecedores.

A justificativa é que a regulamentação faz com que os clientes exijam projetos sob medida e, por isso, seria inviável entregar a produção a terceiros. “Cada encomenda é única”, diz Mauro Bellini.

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Mais ou menos como nos tempos em que Paulo Bellini e seus sócios montavam ônibus de madeira. Hoje, o fundador ocupa o cargo de presidente emérito e ainda vai à empresa para dar conselhos e conversar com os funcionários. Talvez sua experiência continue sendo necessária aos novos tempos da Marcopolo.


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