Reza, esmola e ‘kit guloseima’ fazem parte do pacote de quem pega ônibus em João Pessoa

Fonte: Jornal da Paraíba Fotos: Kleide Teixeira Dezenas de ônibus por dia e uma mochila repleta de diversos saquinhos com doces. No verso do plástico que embala cada pacote, uma mensagem religiosa e o ...
Fonte:
Jornal da Paraíba
Fotos: Kleide Teixeira

ddcf9b7acecffef65b4a

Dezenas de ônibus por dia e uma mochila repleta de diversos saquinhos com
doces. No verso do plástico que embala cada pacote, uma mensagem religiosa e o
endereço da instituição filantrópica de onde vem o portador do ‘kit de
guloseimas’, vendidos a R$ 2,00 cada um, em meio a discursos de fé e pedido de
ajuda em ônibus que trafegam por João Pessoa.

Esta
é a rotina de Carlos (nome fictício), que há cinco anos percorre quase todos os
bairros da capital para vender os produtos, cuja renda, segundo ele, é repassada
para a instituição de tratamento para dependentes químicos onde vive desde
2009.
 
Nas
viagens que faz ao longo do dia, o rapaz discursa para os passageiros enquanto
entrega os pacotes com doces, dando seu “testemunho de vida”, como
ele mesmo comenta. “Durante oito anos eu vivi na dependência química do crack,
mas estou há cinco anos liberto pela misericórdia de Deus. Hoje eu sou
colaborador da obra (casa onde vive)”.
 
Carlos
representa dezenas de jovens de pelo menos três casas de instituição de
tratamento de dependência química que utilizam os transportes públicos da
capital para pedir ajuda.
 
Além
desses jovens, outras pessoas têm o mesmo hábito de pedir auxílio para a compra
de remédios, alimentos, pagamento de aluguel e até passagens de ônibus para
outros municípios.
 
Há,
ainda, aqueles que utilizam o transporte público para vender doces, fazendo
dessa prática um trabalho, e outros que fazem apresentações de música e até
teatro.
 
Trabalhando
há cerca de um mês ao lado de um ponto de ônibus na avenida Epitácio Pessoa,
uma das principais vias da capital, o comerciante Júlio Francisco atesta a
rotatividade dos “pedintes dos ônibus”. Independente do dia e horário
diurno, sempre há um desses personagens que acompanha os trajetos dos milhares
de usuários dos coletivos da cidade todos os dias.
 
“Aqui
é direto eles entrando no ônibus. Às vezes, mal desce um e já aparece outro. Os
motoristas até brincam dizendo: ‘teu amigo desceu agorinha’”, relata o
comerciante. Além dos passageiros, os cobradores e motoristas também estão
acostumados com a presença dos pedintes.
 
Embora
a entrada de pessoas nos ônibus para comercializar produtos, pedir auxílio ou
fazer pregações religiosas seja uma prática proibida pelo regulamento do uso do
transporte público da capital, os funcionários dos ônibus permitem a entrada
dos pedintes e alguns “trabalham” nos ônibus até mesmo sem pagar a
passagem.
 
Para
muitos é uma ‘presença incômoda’
9757295cd1655dfec58e
Kit vem com uma guloseima e uma mensagem impressa explicando o motivo da ação no ônibus
Para
os usuários dos ônibus da capital, a presença dos pedintes pode ser incômoda
para uns e tolerável para outros. O motivo da desconfiança para alguns é a
veracidade no discurso de quem pede ajuda e o destino dado aos trocados
recebidos.
 
“Os
meninos dessas instituições dizem que tem esse lado social, mas a gente não
sabe até que ponto se destina o dinheiro que eles ganham vendendo os quites e
se a instituição ajuda mesmo esse pessoal. Quando eles começaram a aparecer, eu
até ajudei algumas vezes, mas de um tempo para cá, foram surgindo outras
instituições e você se questiona se esse trabalho existe”, disse o escrevente
Geraldo Ferreira.
 
A
mesma dúvida argumentada por ele é sentida pela garçonete Liviane Pires. A
jovem também utiliza todos os dias o serviço dos ônibus e revela que desconfia
da maioria das pessoas que entram no coletivo para pedir ajuda. “Já ajudei
algumas vezes. Agora, tem pessoas que pedem, mas que parecem que não precisam e
inventam muitas histórias, aí eu fico desconfiada”, disse.

a estudante Priscila Amâncio acredita que quem entra nos transportes públicos
para vender produtos, contanto que não interfira no bem-estar dos passageiros,
não incomoda. “No caso dessas pessoas que entram para vender os produtos, eu
acho que não tem problema. Eles estão fazendo um trabalho honesto e não estão
somente pedindo dinheiro. Desde que tratem as outras pessoas com respeito, por
mim tudo bem”, completa a estudante.