Voltando ao passado: Os barões do transporte urbano

Fonte: Portal Ônibus Paraibanos/Veja Matéria/Texto: Roberta Paixão/Sergio Ruiz Luz/Thomas Traumann/Marcos  Gusmão Fotos: Adriano Minervino/Divulgação Iniciando mais uma série em nosso portal em ...
Fonte: Portal Ônibus Paraibanos/Veja
Matéria/Texto: Roberta Paixão/Sergio Ruiz
Luz/Thomas Traumann/Marcos  Gusmão
Fotos: Adriano Minervino/Divulgação
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Iniciando mais uma série em nosso portal em que
traremos para nossos leitores, fatos e matérias publicadas no passado, mas de
muita relevância em nosso presente, lançamos hoje a série Voltando ao passado e
na estréia, vai ao ar uma matéria que foi publicada na revista Veja de 28 de janeiro
de 1998 falando de alguns dos principais empresários de ônibus do país, como
Jacob Barata e Nenê Constantino. Com o título “Os barões do transporte
urbano, o texto aborda o patrimônio e área de atuação desses empresários além
de alguns fatos curiosos de suas personalidades e atitudes dentro do transporte
urbano em grandes cidades do país. Então boa leitura e boa recordação a
todos!!! 

Na semana passada, a prefeitura de
Belo Horizonte abriu os envelopes de uma concorrência pública até então inédita
no Brasil. O objetivo era vender o direito de exploração de todas as linhas de
ônibus urbano da capital mineira. Antes, essas linhas eram concedidas, por
critérios políticos, a empresários aliados do prefeito ou dos vereadores. A
novidade é que, desta vez, os empresários tiveram de pagar para continuar a
explorá-las. Quem não ofereceu o melhor preço, perdeu o direito. O resultado
foi surpreendente. Algumas ofertas alcançaram um ágio de 370% sobre o preço
mínimo fixado no edital da licitação. Com isso, quebrou-se um mito: o de que o
transporte de passageiros nas grandes cidades é um negócio pouco lucrativo,
mantido por empresas que vivem no prejuízo e precisam ser subsidiadas com
dinheiro público. O leilão foi também a primeira tentativa concreta de quebrar
um cartel que reúne empresários poderosos e números impressionantes no país.
cidades3O Brasil é um dos maiores fabricantes e possui a
maior frota de ônibus urbanos e intermunicipais do planeta. São 230.000
veículos, quase o dobro da frota americana e seis vezes maior do que a
francesa. Só nos ônibus urbanos viajam diariamente 50 milhões de brasileiros,
que deixam nas roletas 10 bilhões de reais em passagens por ano. Em São Paulo
estão os donos das duas maiores frotas de ônibus do mundo. Um deles, o mineiro
Joaquim Constantino de Oliveira, tem 6.000 ônibus e 24 empresas em cinco
cidades e fatura 800 milhões de reais por ano. É o maior do mundo em sua área.
O segundo é José Ruas Vaz, um emigrante português dono de 3 400 ônibus e
faturamento de 600 milhões de reais no ano passado (veja quadros). Ao
todo, há no Brasil 2.000 companhias de transporte urbano, propriedades de pouco
mais de uma centena de empresários.
Há mais empresas de ônibus no Brasil do que em
outros países simplesmente porque, aqui, quase não existe metrô ou trens
urbanos. O ônibus responde por 90% do transporte coletivo no Brasil. A
iniciativa da prefeitura de Belo Horizonte é decorrente de uma lei federal que
pretende organizar e melhorar a vida de usuários e passageiros. A chamada Lei
das Licitações, de 1994, exige que todo serviço público seja concedido por meio
de concorrência. Até agora, no entanto, só Belo Horizonte cumpriu rigorosamente
a lei. Mesmo assim, a prefeitura enfrentou dois anos de briga na Justiça para
conseguir fazer a licitação. É compreensível. A mudança atinge em cheio um
cartel sólido e lucrativo.
Os empresários de ônibus urbanos sempre gastaram
muito em campanhas eleitorais e pouco na qualidade dos serviços que prestam à
população. Do caixa das empresas saía o grosso do financiamento das campanhas
de prefeitos, vereadores e muitos deputados. Um desses empresários, o
presidente da Confederação Nacional do Transporte, CNT, Clésio Soares de
Andrade, gaba-se de ter nas mãos o voto de 25 deputados federais. O poder
político, assegurado pelo financiamento das campanhas, garantia aos empresários
o controle das tarifas de transporte e, principalmente, a prestação de um
serviço que é uma vergonha nacional. Ônibus superlotados e caindo aos pedaços,
horas de espera e motoristas despreparados fazem parte do cotidiano da maioria
dos brasileiros que dependem desse tipo de transporte. Em São Paulo, os ônibus
são considerados ruins ou péssimos por 31% dos passageiros, de acordo com a
última pesquisa da Associação Nacional de Transportes Públicos.
O maior de todos 
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Joaquim Constantino, dono da maior frota de
ônibus do mundo, domina 13% do mercado de São Paulo, onde circulam 10 800
veículos. Mineiro de Patrocínio, começou a carreira nos anos 50, transportando
leite no interior do Nordeste. Hoje, aos 65 anos, leva uma vida discreta.
“Nenê” Constantino, como é conhecido, não freqüenta festas badaladas
e só fez duas viagens ao exterior: uma para a Disney e outra para a Europa.
Prefere passar férias no Guarujá, no litoral paulista. Apesar do jeito simples,
Constantino é um empresário agressivo. Associado a Baltazar José de Souza e
Ronan Maria Pinto, dois ex-cobradores de ônibus que também saíram do interior
de Minas para fazer dinheiro no ramo, Constantino começou a encampar empresas
até formar em São Paulo o chamado Grupo Mineiro. Em pouco tempo, dominaram o
mercado. A sociedade foi desfeita há dois anos.
 

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Baltazar José de Souza
O serviço de ônibus urbano em São Paulo é tão ruim
que, de 1995 para cá, o número de passageiros caiu 10%. Carros particulares,
ônibus clandestinos e lotações ficaram com a diferença. São opções de
transporte que cobram tarifas mais baratas ou prestam serviço mais eficiente.
“Não há surpresa nenhuma”, diz o presidente da Associação Nacional de
Transporte Público, Rogério Belda. “Com ônibus tão precários, é natural
que os passageiros tentem alternativas melhores.” Em vez de melhorar os
serviços para tentar recuperar os passageiros perdidos, os empresários de
ônibus de São Paulo usaram seu poder na Câmara Municipal para quebrar a espinha
da nova concorrência. Em outubro do ano passado, os vereadores paulistanos
aprovaram uma lei que limitou a ação dos perueiros. “É lógico que a gente
fez pressão na Câmara”, afirma Sérgio Pavani, ex-presidente da Transurb, o
sindicato das empresas. “É nosso direito.”
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Jacob Barata
A concorrência dos perueiros e as mudanças
estabelecidas pela Lei de Licitações têm obrigado alguns barões do transporte
urbano a se mexer. Um deles, o paraense Jacob Barata, de 64 anos, está
preparando uma grande guinada nos negócios da família. Dono de 25% da frota de
ônibus do Rio de Janeiro, Barata vai tentar a sorte na privatização de trens e
barcas do Estado. No fim do ano passado, associado a grupos europeus, por pouco
não arrematou o metrô carioca, privatizado pelo governador Marcello Alencar.
“Com as privatizações, o ônibus vai ser um transporte auxiliar”,
acredita Barata. “Não posso perder o bonde.” De família pobre, Barata
chegou ao Rio aos 14 anos e fez de tudo um pouco. Vendeu panelas e penicos no
subúrbio, foi escriturário de banco e revendedor de jóias. Aos 18 anos, comprou
seu primeiro ônibus, que ele mesmo dirigia. O carro foi comprado em sociedade,
até hoje uma característica do empresário: ele participa das ações de 25
companhias diferentes. Barata tem 85 sócios com quem lida pessoalmente. Além
das empresas de ônibus, possui três concessionárias de veículos, três hotéis,
uma fábrica de ônibus e um banco, o Guaranabara. Mora num apartamento na
Avenida Vieira Souto com vista para o mar de Ipanema e passa os fins de semana
numa mansão no Alto da Boa Vista, bairro de classe alta e tradicional do Rio de
Janeiro.
Falso prejuízo 
O transporte urbano do Rio é negócio de mais
de 1 bilhão de reais por ano. Quase 80% da população carioca depende dos ônibus
para se locomover. O poder político dos empresários é enorme. “Os políticos
sempre querem ganhar com o lançamento de novas linhas de ônibus”,
reconhece Barata. “Sou empresário e entro em qualquer bom negócio que
aparecer.” Nos anos 70, para evitar a concorrência das barcas estaduais,
as empresas cancelaram suas linhas de ônibus nos terminais da orla marítima.
Conseqüência: até hoje, apenas 2% dos passageiros que cruzam a Baía da
Guanabara usam as barcas. Os demais se acotovelam nos ônibus da Ponte RioNiterói.
Cinqüenta e cinco empresas controlam os ônibus da cidade. A maioria está nas
mãos de apenas seis empresários que, nas décadas de 60 e de 70, receberam as
linhas de graça da prefeitura e ainda ganharam o direito de explorá-las sem
pagar impostos. “Os empresários dos ônibus têm um poder grande de barganha
porque, se pararem de trabalhar, a cidade também pára”, diz o engenheiro
de transporte carioca Fernando McDowell.
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O mineiro Clésio Soares de Andrade não é tão rico
quanto “Nenê” Constantino ou Jacob Barata. É, no entanto, o
empresário mais influente do setor no país. Andrade ganhou a liderança entre
seus pares ao conseguir que, nos anos 80, o governo mineiro deixasse por conta
dos próprios empresários a decisão sobre o valor da tarifa cobrada nos ônibus
da cidade. As empresas, além de cobrar o valor que bem entendessem, ainda
poderiam reclamar uma compensação da prefeitura caso tivessem prejuízos.
“Foi uma festa”, conta um empresário de ônibus que atua na região
metropolitana de Belo Horizonte. “Teve empresa que passava a noite inteira
voltando roleta para trás para apresentar prejuízo falso.” Nesse período,
Belo Horizonte chegou a ter uma das tarifas de ônibus mais caras do Brasil, os
empresários mineiros se tornaram os mais capitalizados do país e expandiram
seus negócios.
Lobby poderoso
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Em 1993, Clésio Andrade foi eleito o presidente da
CNT http://veja.abril.com.br/210198/imagens/ponto.gif entidade
que representa 300 000 transportadores autônomos e 40.000 empresas. Em 1994,
tornou-se suplente de senador por Minas Gerais e elegeu um irmão, Oscar
Andrade, deputado federal por Rondônia. Nas eleições municipais do ano passado,
distribuiu centenas de cestas básicas para eleger o pai, Oscar Andrade,
prefeito de Juatuba, um recém-emancipado município da região metropolitana de
Belo Horizonte.
Com um lobby contra tão poderoso, não é de
estranhar que a Lei de Licitações demore a pegar nas grandes cidades
brasileiras. A prefeitura do Rio de Janeiro só fez concorrência para as linhas
novas, que não são rentáveis e não atraíram interessados. As antigas, e muito
lucrativas, continuam em mãos dos mesmos donos. Em Porto Alegre, a prefeitura
diz que vai precisar de dois anos para adequar o seu sistema de transporte.
Brasília só licitou as linhas que estavam irregulares. Modelo do transporte
urbano, Curitiba não pretende fazer a licitação, com a desculpa de que a lei
não estabelece prazos para ser cumprida. “O sistema funciona bem do jeito
que está”, justifica Euclides Rovani, diretor da empresa de transporte da
cidade. Em São Paulo, o governo do Estado promete leiloar no ano que vem as
linhas metropolitanas. As empresas vencedoras vão ter de cumprir um contrato e
serão avaliadas por meio de pesquisas regulares com os passageiros. A empresa
que, por duas pesquisas seguidas, for reprovada será multada e pode até perder
a licença se o problema persistir.
 

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Clésio Andrade
O exemplo de Belo Horizonte mostra
que o esforço para acabar com o cartório dos ônibus vale a pena. Depois de
vencer a briga judicial com as empresas, a BHTrans empresa
gerenciadora do transporte coletivo na capital mineira cassou
todas as linhas de transporte e as ofereceu em leilão. Para operar cada ônibus
por um prazo de dez anos, os candidatos teriam de desembolsar no mínimo 13 500
reais por uma linha. Em média, o ágio obtido foi de 70%. Nas linhas mais
rentáveis, no entanto, o preço oferecido chegou a 64 300 reais, quase cinco
vezes o mínimo estipulado. No total, a prefeitura arrecadou 69 milhões de reais
com o leilão. Os 2 795 ônibus da cidade, que antes eram operados por 54
empresas cartelizadas, agora serão operados por 46 companhias que terão de
competir entre si. Entre elas estão dez empresas de outros Estados ou cidades.
Essas forasteiras passam a disputar espaço num negócio que, durante décadas,
foi um clube exclusivo de 35 famílias mineiras. “Agora, quem não renovar
frota e não cumprir horários perde o direito de explorar a linha”, diz
Jafete Abrahão, da BHTrans. “Acabou a história de os empresários mandarem
na vida da cidade.”