As aventuras da Marcopolo

Fonte: Época Negócios Matéria/Texto: Raquel Salgado Fotos: Beto Riginik/Acervo Esta não é uma história de um garoto pobre que larga os estudos porque precisa trabalhar e ajudar a família. Paulo ...

Fonte: Época Negócios
Matéria/Texto: Raquel Salgado
Fotos: Beto Riginik/Acervo

empreenda 01

Esta
não é uma história de um garoto pobre que larga os estudos porque precisa
trabalhar e ajudar a família. Paulo Bellini cursava administração de empresas
em Porto Alegre quando foi acometido por uma comichão. Queria trabalhar. Estava
achando muito esquisita aquela história de viver à custa da mesada do pai.
Durante as férias, voltou para Caxias do Sul, sua cidade natal, decidido a
largar a faculdade. Bellini tinha 22 anos quando se uniu a seus vizinhos, donos
de uma oficina que consertava e pintava cabines de caminhão. Com a chegada de
Bellini, em 1949, os irmãos Nicola – Dorval, Nelson, João e Doracy – ampliaram
o negócio e começaram a produzir carrocerias de ônibus. Nascia a Carrocerias
Nicola. 

A produção era muito, mas muito rústica. A carroceria era
toda feita de madeira (apenas o revestimento era de metal) e colocada sobre um
chassi (armação de aço que serve de base para a carroceria) de caminhão,
modificado para ficar com o jeitão de um ônibus. Cada estrutura dessas levava
90 dias para ficar pronta. Hoje, a empresa produz entre 130 e 140 unidades por
dia. “O comprador da nossa primeira carroceria me ligou e disse: a peça ficou
muito bonita, mas me manda 32 guarda-chuvas, porque quando chove entra água
pelo teto do ônibus”, conta Bellini, 85 anos (mas, se dissesse ter 70, não
daria para duvidar).
A
Carrocerias Nicola já nasceu em crise. “Não tínhamos capital e banco nenhum nos
emprestava dinheiro.” Apelaram para ciganos, como eram conhecidos os agiotas em
Caxias. Bellini chegou a batizar o filho com o nome de um dos credores da
empresa. Outro entrave dessa fase inicial, quando superado, transformou-se num
diferencial competitivo da empresa. Como não existia chassi específico para
ônibus, Bellini e seus sócios tiveram de desenvolver ferramentas para desmontar
os caminhões e transformá-los em coletivos.
Esse conhecimento permitiu que, anos depois, a empresa
produzisse as próprias poltronas, portas e janelas. A verticalização, hoje
festejada, foi uma imposição daqueles tempos. Com ela foi possível desenvolver
uma produção em larga escala e, ao mesmo tempo, customizada. Se o cliente
queria uma janela redonda, em vez da tradicional quadrada, eles faziam. Se
precisava de dois banheiros em vez de um só, dava-se um jeito.
O empurrão de JK 

Nessa época, década de 50, a conjuntura jogou a favor da Carrocerias Nicola.
Logo após a criação da empresa, o então presidente Juscelino Kubitschek lançou
seu plano de metas, que pretendia fazer o Brasil crescer 50 anos em cinco. A
base do plano era a expansão industrial e a integração do país. Para isso,
foram construídas rodovias e a demanda por veículos capazes de transportar
passageiros cresceu vertiginosamente.
O
faturamento, no entanto, não crescia no mesmo ritmo das encomendas. Para
produzir mais, Bellini precisava aumentar a capacidade de produção da fábrica.
Continuava complicado conseguir crédito no mercado tradicional. Em 1954, ele e
os Nicola abriram o capital da empresa para angariar recursos. Bolsa de
valores? Não, bolso dos conhecidos. Bellini e Dorval Nicola saíam de pastinha
na mão em busca de novos sócios: familiares, amigos, amigos dos amigos. “Teve
gente que comprou participação na empresa pagando em 12 vezes sem juros”, diz
Bellini. Com o dinheiro, os sócios trocaram o barracão onde funcionava a
empresa por uma fábrica de 3 mil metros quadrados, em funcionamento até hoje.
A capitalização amadora oxigenou a empresa e tornou
possível olhar para fora do Brasil. Em 1961, a Carrocerias Nicola fez sua
primeira exportação. De poltrona em poltrona, de ônibus em ônibus, a companhia
foi ganhando clientes por todo o Brasil e pela América Latina. Até que, em
1968, Dorval Nicola, o único vizinho que permanecia na sociedade, deixou a
empresa para trabalhar com seus irmãos na Furcare, concorrente da Nicola. Foi
um baque.
Desesperar
jamais

Como
boa parte dos clientes havia sido conquistada por Dorval, Bellini precisou
contratar um novo time para sair à caça de encomendas. Foi nessa época que
Valter Gomes Pinto (hoje sócio da Marcopolo) e José Fernandes Martins (atual
vice-presidente corporativo) chegaram à empresa. Foi também quando o nome
Carrocerias Nicola deu lugar a Marcopolo, inspirado no explorador e viajante
veneziano Marco Polo.
Anos mais tarde, um novo baque. A crise dos anos 80
acertou em cheio a operação da companhia. Entre 1981 e 1983, a produção caiu
pela metade e a empresa fechou fábricas em Porto Alegre e Betim (Minas Gerais).
Desanimados com a situação brasileira, Bellini e o diretor industrial foram
conhecer o modo de produção dos japoneses. E lá foram fazer jus àquele ditado
do limão e da limonada. No fim de 1986 visitaram diferentes empresas no Japão,
todas com o sistema Toyota de produção: funcional, eficiente e pouco
burocrático – ideal para a fabricação de pequenos lotes de produtos personalizados.
Para Bellini, aquela foi a viagem da vida da Marcopolo.
1987 foi o ano da virada. Com a adoção das práticas
japonesas, a empresa ficou menos formal, menos hierárquica. Os funcionários,
mais motivados, participativos e criativos. “Aprendemos a dar autonomia e
responsabilidade às pessoas”, diz Bellini. Quatro anos depois, em 1991, o
processo de profissionalização foi intensificado. Com a ajuda de uma
consultoria, a Marcopolo contratou executivos do mercado, como José Rubens de
la Rosa, atual presidente, e passou a traçar planejamentos estratégicos de
curto, médio e longo prazos. A preocupação em planejar o futuro dos negócios
tem permitido que a Marcopolo saia quase ilesa de períodos de turbulência. Em
2008, quando a crise da economia americana foi deflagrada e, a partir daí, uma
enxurrada de problemas tomou conta das economias de países europeus, a
Marcopolo tinha quase dois terços de sua receita atrelada a clientes
internacionais.
Mesmo com a demanda em queda a empresa seguiu investindo.
Dois anos depois, a decisão se mostrou acertada. A economia mundial não se
recuperou, mas a demanda brasileira cresceu num ritmo que ajudou a compensar
essa fraqueza. Desde o ano passado, as vendas externas voltaram a crescer.
Neste ano, entre janeiro e setembro, a receita líquida da companhia avançou 14%
(para efeito de comparação, a economia do Brasil não deve crescer mais de 1%).
O lucro, no entanto, está em queda. O movimento deve ser passageiro. As ações
da Marcopolo estão entre as preferidas por analistas de mercado para 2013.
Paulo Bellini é otimista: “Eu só vejo coisas boas no nosso caminho”.

empreenda 02

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