Projeto padron: pionerismo em renovação em ônibus urbanos

Fonte: Revista AutoBus Matéria/Texto: Antônio Ferro A década de 70 estava às favas e o transporte urbano de passageiros realizado por ônibus não apresentava qualquer tipo de melhoria que pudesse ...

Fonte: Revista AutoBus
Matéria/Texto: Antônio Ferro

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A década de 70 estava às favas e o transporte
urbano de passageiros realizado por ônibus não apresentava qualquer tipo de
melhoria que pudesse proporcionar aos seus usuários um pouco de comodidade em
toda a operação. O pragmatismo era a aplicação de um produto sem uma definição
regulamentada. Isso pôde ser comprovado por um grande número de encarroçadoras
que, estimuladas pela omissão das forças da lei, impulsionaram o mercado com
produtos improvisados. Exemplo de um país que ainda não seguia a trajetória fundamentada
por princípios normativos em sua evolução.




Uma combinação não
muito proveitosa da capacidade de nossa indústria imperava no setor de ônibus
urbanos. Os tipos de veículos encontrados eram baseados em chassis com motor
dianteiro (não muito diferente de hoje) e carroçarias que não privilegiavam nem
um pouco o conforto dos passageiros, com muito ruído, falta de
ventilação/iluminação e pouco espaço interno para a acomodação de quem
necessitava usá-las. Das três montadoras presentes em nosso mercado naquela
época, todas concentravam suas atenções em chassis, sendo que uma marca oferecia
um modelo diferencial. A Mercedes Benz há tempos produzia os seus chassis para
encarroçamento, além de um veículo integral (união entre carroçaria e chassi),
fato marcante desde o início de sua presença no Brasil. Já a Scania, sua linha
de ônibus era composta por chassis com motor dianteiro, comuns desde o seu
princípio brasileiro em 1957, e o modelo dotado com bloco na traseira,
equipamento encontrado a partir dos anos de 1970 (aqui ainda voltado para o
segmento rodoviário). A Volvo era a caçula, trazendo uma inovação com
características próprias para o transporte urbano de passageiros – um chassi
com motor localizado no entre eixos e suspensão pneumática.

Mas antes precisamos dar um pulo até meados
dos anos de 1960, mais exatamente na Alemanha Ocidental, assim chamada em
tempos de “Guerra Fria”. A VOV (Verband Offentlicher Verkehrsbetriebe ou para
simplificar, Associação das Companhias de Transporte Público daquele país) em
comum acordo entre as fabricantes locais de ônibus e o governo alemão,
estabeleceu normas para a padronização da construção de um ônibus urbano. O
projeto básico deveria seguir uma série de regras que norteavam a produção dos
veículos exigindo qualidade e especificações ideais no emprego de materiais
adequados para se conseguir segurança e conforto aos usuários e motoristas.
Dentre os principais parâmetros definidos, o ônibus padrão VOV tinha 11m de
comprimento com layout interno para acomodar 105 ou 115 passageiros; altura do
piso do salão de passageiros 740 mm acima do solo, sendo que o primeiro degrau
das portas deveria ficar distante 340 mm; suspensão pneumática integral
composta por válvulas de nível; estrutura, chapeamento e acabamento com vida útil
mínima de 10 anos; motor traseiro com potência de 200 CV DIN. Com as regras em
prática, os principais nomes da indústria alemã de ônibus logo apresentaram
seus modelos de acordo com o especificado.
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O cenário nada encorajador no transporte
urbano sobre pneus que perdurava em 1977, fez o então GEIPOT – Empresa
Brasileira de Planejamento de Transporte – órgão do Governo Federal, em convênio
firmado com a Secretaria de Planejamento da Presidência da República e com o
Ministério dos Transportes (através da EBTU – Empresa Brasileira de Transportes
Urbanos), a apresentar um projeto denominado Padron – conjunto de estudos para
promover normas técnicas na construção de um ônibus urbano. A primeira etapa
desse trabalho envolveu uma pesquisa de campo realizada um ano antes nos
principais centros urbanos brasileiros. A constatação apresentada era que os
serviços de ônibus estavam em baixa, com uma qualidade aquém do necessário para
o transporte de massa. Os itens analisados foram: confiabilidade, conforto,
consumo de combustível, segurança e tempo de viagens, além das características
de construção dos veículos.
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Alguns anos antes, Curitiba já se destacava
entre as principais cidades brasileiras enfatizando um sistema de transporte
com tratamento diferenciado ao ônibus, com suas famosas canaletas exclusivas
que promoveram eficiência aos serviços, trazendo ainda um novo conceito em
ônibus urbano. Seguindo especificações próprias, determinadas pelo IPPUC –
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – o veículo pioneiro a
rodar pelas vias exclusivas, chamado de Veneza Expresso e produzido pela gaúcha
Marcopolo, anteviu algumas das normas que seriam colocadas pelo projeto Padron,
como a localização do motor, na área traseira e a facilidade encontrada no
embarque e desembarque dos passageiros, provocada pelas largas portas.



Após reunir todos
os dados pesquisados, o GEIPOT tratou de dar um andamento ao projeto, contando
com a participação da indústria, através da Fabus – então Associação Nacional
dos Fabricantes de Carrocerias para Ônibus – e das próprias montadoras de
chassis. Dúvidas iniciais quanto ao desenvolvimento das novas normas surgiram,
mas nada que não pudessem ser respondidas. Com o rápido crescimento das regiões
metropolitanas, a idéia era readequar o setor de ônibus urbano, que se
encontrava em estado crítico. Com isso, dois relatórios foram apresentados: a
Etapa I, contendo as especificações para a construção das carroçarias, e a
Etapa II, com as definições técnicas para os chassis. A documentação final foi
entregue para a indústria de ônibus em 1979, composta por um memorial
descritivo fundamentado em normas semelhantes encontradas no continente europeu.



O resultado pôde
ser visto no ano seguinte, com o surgimento de uma nova geração de ônibus
urbanos. No total foram construídos 5 protótipos para um laboratório de campo
em 6 principais capitais brasileiras, que operaram sob diversas condições de clima,
topografia e trânsito. As parcerias Mercedes Benz / Caio e Marcopolo, Scania /
Ciferal e Volvo / Caio e Marcopolo desenvolveram os veículos dentro das
orientações do projeto. Entre as características técnicas elaboradas pelas
especificações e implantadas nos novos ônibus, destacavam-se o uso do pneu
radial, da suspensão a ar, transmissão automática, direção hidráulica, motor
(traseiro ou central) com potência mínima de 200 CV, dotado com equipamentos
para diminuir os índices de poluição e ruídos, iluminação e ventilação adequada
a passageiros e motoristas. Quanto as dimensões, o veículo Padron deveria ter
um comprimento de 12 m, altura de 3,30 m e largura de 2,60 m. A altura entre o
solo e o primeiro degrau de acesso deveria ser, no máximo, de 0,37 m e as
portas com largura mínima de 1,10 m.
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A dobradinha Scania e Ciferal compartilhou a
premissa de que um ônibus urbano necessitava ser construído com características
diferenciadas, próprias para oferecer uma série de comodidades a quem mais
necessitava nos longos deslocamentos diários entre trabalho, residência, escola
e divertimento. A Scania ainda lançou a idéia que o ônibus era o caminho certo
para a racionalização do transporte de massa, com a função de transportar
pessoas, implicando para isso em projeto com exigências específicas. Sua
presença no projeto Padron foi com o modelo BR112 (mais tarde K112), um chassi
com propriedades modernas inclusas em seus veículos europeus. A estrutura
autoportante era o atrativo do BR 112, pois a independência dos módulos
dianteiro e traseiro permitia a redução da altura dos degraus de acesso e do
piso do salão de passageiros, além de possibilitar a instalação de portas mais
largas na carroçaria e um layout interno a escolha do cliente. O protótipo do
chassi estava equipado com suspensão pneumática, motor D11 aspirado com 203 CV
(opcional DS11 turbo de 296 CV) montado transversalmente na traseira, caixa de
transmissão automática com 6 velocidades da própria Scania (modelo GAV 762),
freios a ar e direção hidráulica.
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Para a Volvo, que então participou do projeto
com dois chassis B58, não houve a necessidade de promover grandes modificações
em seu chassi, pois o produzia dentro dos mais modernos parâmetros europeus e
que podiam tranquilamente ser adotados no projeto. O B58 era equipado com um
motor horizontal de 260 CV, que liberava o salão de passageiros de qualquer
tipo de obstáculos, permitindo um layout a livre escolha do cliente,
proporcionando a instalação de amplas portas de acesso. A suspensão pneumática,
com controle automático de nível e a caixa de câmbio automática completavam os
pontos modernos no chassi Volvo. Em princípios dos anos 70, a montadora, em sua
pesquisa de mercado para a instalação de uma unidade industrial em terras
brasileiras, já preconizava que o país necessitava modernizar o seu sistema de
transporte público. Era de suma importância a racionalização do uso de meios de
locomoção nas áreas centrais dos grandes centros urbanos, pois o crescimento
populacional apresentava um expressivo aumento. E nisso, o ônibus teria seu
importante papel na cadeia do transporte. “Esse projeto foi o divisor de águas
entre os chassis de caminhões e um produto específico em ônibus. E o B58
mostrou ao mercado todo um conceito necessário em termos de operação, conforto
e segurança para o transporte urbano”, lembrou Juarez Fioravante, ex-engenheiro
de ônibus da Volvo do Brasil.



Diferentemente das
duas marcas suecas, com seus modelos de chassis prontos para serem produzidos
por aqui, a alemã Mercedes Benz trouxe de sua matriz duas unidades do chassi
O305 equipado com motor OM 360, seis cilindros e 190 HP, portando ainda a
transmissão automática desenvolvida por ela própria. Ela não seguiu adiante com
esse modelo, disponibilizando ao mercado um outro veículo adequado aos padrões
brasileiros.
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A lição tirada pelo projeto Padron foi
benéfica, pois promoveu alterações aos modelos de carroçarias mais simples,
especificando quesitos mínimos e essenciais a uma melhora do ônibus urbano. Os
parâmetros completos do projeto foram empregados em alguns sistemas de ônibus
no Brasil, mas não com presença massiva, em função da praticidade do setor em
adotar veículos com menores índices de sofisticação, tanto em chassis, como nas
carroçarias e também pela difusão de regras criadas, no decorrer dos anos, para
atender as peculiaridades de cada região brasileira, inerentes a um país com
sua dimensão continental. Essa tentativa de normatização das carroçarias
poderia ter colocado o Brasil em um patamar elevado quanto ao tipo de ônibus
utilizado nos sistemas urbanos, mas ficou somente numa proposta bem
intencionada.

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