BR 230: 40 anos de uma estrada de mão dupla

Fonte: PB Agora Matéria/Texto: Severino Lopes No comando do volante de um ônibus da Guanabara que faz a linha João Pessoa a Cajazeiras, o motorista Alexandro Gomes Jerônimo, 42 anos, morador do bairro ...

Fonte: PB Agora
Matéria/Texto: Severino Lopes

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No comando do volante de um ônibus da Guanabara que faz a linha
João Pessoa a Cajazeiras, o motorista Alexandro Gomes Jerônimo, 42 anos,
morador do bairro José Américo, na Capital paraibana, já viu de tudo. Na contra
mão do destino, a estrada federal, é uma inimiga traiçoeira. Imprevisível.
Alexandro Gomes conhece bem a estrada e sabe descrever os trechos mais
perigosos. Motorista há 23 anos, e tendo na bagagem a experiência de quem já
trabalhou  7 anos pela Progresso rodando pela BR 230, Alexandro garante que
ainda existem muitos mistérios a serem desvendados  na estrada federal que
nesta quinta-feira (30) completa 40 anos de existência.


 

Principal rodovia por onde escoa a produção do
estado, a BR tem de tudo. Por ela todos os dias a vida acontece. E desaparece.
Cenário sangrento de acidentes de trânsito que elevam as estatísticas da PRF,
fonte de renda para centenas de comerciantes; rota do tráfico de drogas e
caminho por onde cruzam os mapas da exploração sexual de crianças e
adolescentes no estado, bem como, o trabalho infantil, a rodovia vai alem das
funções as quais  foi projetada .


 

Motorista da Guanabara há 6 meses, Alexandro
confessa que toda vez que sai de casa sente um “friozinho” na barriga. Costuma
se despedir da esposa, dá um beijo nos cinco  filhos, e segue até a
garagem da empresa onde assume o volante do ônibus. Faz pelo menos duas viagens
por semana. O ponto de partida é o Terminal Rodoviário de João Pessoa e o
destino final, Cajazeiras no sertão paraibano. A parada no Terminal Rodoviário de
Passageiros em Campina Grande é obrigatória. Após sentir os ares da Serra da
Borborema ele retoma a viagem. A muita estrada pela frente. São quase 400
quilômetros de uma viagem desgastante.


A fé lhe acompanha nessa viagem alucinante. Por
isso, nunca esquece de rezar e pedir a proteção a Deus para vencer os desafios
que surgirão na frente. Ao sentar na cadeira e ligar o carro ele faz uma oração
silenciosa. E parte rumo ao “desconhecido”. Alexandro garante que o trecho mais
perigoso da viagem é a descida da Serra de Santa Luzia, batizada no passado de
“serra da viração”. “A gente desce com cuidado, no máximo com 60 quilômetros”,
garante. As histórias de que a serra é mal assombrada não assusta o motorista,
mesmo reconhecendo que a noite, a viagem inevitavelmente fica mais sombria.
“São lendas que o povo conta que não tem sentido, mas que povoam a imaginação
principalmente por conta dos acidentes que já vitimaram muita gente”, observa.


 

Para ele, o trecho mais perigoso da viagem é entre
a Alça sudoeste até o distrito de São José da Mata, onde vez por outra,
acontecem assaltos.


 

O caminhoneiro Vicente Moreira da Silva, 52
também  conhece como ninguém os segredos e os mistérios que rondam a BR
230. O caminhão é companheiro inseparável de longas jornadas onde ele há 30
anos transporta parte da riqueza do Estado.


 

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Dirigir a noite é um perigo. Nunca se sabe o que
aguarda na ladeira seguinte, ou na curva que se aproxima a alguns quilômetros.
A música que sai do toca-cd anima a viagem. E ajuda a amenizar a solidão da
estrada. Em alguns trechos a estrada vira deserto. Um silêncio fúnebre e
sombrio. A BR 230 mais parece uma montanha russa onde o fim some do alcance dos
olhos do condutor. Na beira da estrada, a vida acontece. A paisagem muda
repentinamente entre um trecho e outro. No tempo de seca o cenário é desolador.
O brilho do sol que reflete no retrovisor dá a impressão de que um espelho
d`água está se formando no asfalto. Uma miragem. No inverno, o verde predomina
e a cada puxada de marcha, o condutor avista um barreiro na beira da estrada.


 

BR230+3A experiência adquirida em anos de estrada não faz
Vicente subestimar os riscos que enfrenta cada vez que toma o rumo da BR 230.
Ele confessa que todas as vezes que senta no volante e pisa firme no
acelerador, a impressão que tem é que a estrada não tem fim. A sensação é a
mesma de todos os motoristas que trafegam pelo asfalto velho e gasto pelo
tempo. Trafegar pela estrada é ter um horizonte imenso para explorar. Os
mistérios cruzam os caminhos da BR 230, também chamada de Rodovia
Transamazônica , 4º mais perigosa do país. A BR faz parte da vida do
caminhoneiro, casado, e pai de 5 filhos. A casa onde ele reside na avenida
Severino Cabral, no bairro de Vila Cabral de Santa Terezinha, é localizada nas
margens da rodovia.


 

A superintendente da Polícia Rodoviária Federal no
Estado da Paraíba, inspetora Luciana da Silva Duarte, revelou que a BR 230 é
perigosa devido ao fluxo de veículos que nela se concentra, além de ser a maior
em extensão no Estado (516,7 quilômetros).


 

A BR 230 começa em Cabedelo no litoral da Paraíba,
e cruza todo toda o Estado , até chegar em territórios distantes. São
intermináveis e 5.000 quilômetros de comprimento, cortando os estados
brasileiros da Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará até chegar em
Lábrea, no Amazonas.  Somente no território paraibano são 500 quilômetros.


As
estatísticas do medo




As estatísticas dão arrepios em qualquer
motorista. Para muitos a BR 230 se transformou em um caminho sem volta. Das
mais de 7 mil pessoas que morreram vítimas de acidentes de trânsitos na Paraíba
nos últimos 10 anos, mais de 71,67%% estavam na BR 230, segundo dados da
Policia Rodoviária Federal que o PBAgora teve acesso. Em cinco anos mais de 15
mil acidentes ocorreram na estrada federal, deixando um saldo estarrecedor de
mais de 500 mortes segundo dados da PRF. O saldo é devastador. É como se metade
de uma cidade do porte de Parari (PB) que segundo o IBGE em 1 256 habitantes,
desaparecesse do mapa.



Uma verdadeira epidemia atestada pela PRF. Somente
no ano passado foram 2.823 acidentes dos 3.957 ocorridos em todo o Estado que
deixaram um saldo de 1623 feridos e 102 mortos. Em 2010 foram 2.768 acidentes
que deixaram 1.509 pessoas feridas e 121 mortas. Em 2009, as estatísticas
também foram estarrecedoras. No total, aconteceram 2.551 acidentes com 1.557
pessoas feridas e 115 mortos. Este ano de janeiro a junho, a PRF registrou
1.108 acidentes com um saldo preocupante de 59 mortos.



Os trechos mais perigosos, conforme contou a
superintendente da PRF Luciana da Silva Duarte normalmente são os que margeiam
as cidades e regiões metropolitanas entre os KM 0 a 42 (Cabedelo a Santa Rita),
do KM 64 ao 67 próximo do Posto de Café do Vento; do Km 140 ao 165 em Campina
Grande; entre o  Km 330 a 340 na cidade de Patos, e o Km 450 a 470, 504 e
510 em Sousa no Sertão paraibano.



Inspetor da PRF há mais de 20 anos, João Fernandes
conta que a BR sempre foi uma estrada perigosa. Ele explica que os maiores s
acidentes ocorridos na estrada, são causados por imprudência dos motoristas, o
excesso de velocidade, as ultrapassagens perigosas, a combinação perigosa de
álcool e volante, e outras desobediências as leis de trânsito. “Muitos
acidentes poderiam ser evitados”, afirma o experiente inspetor da PRF.



Duplicação – Pela BR 230 circulam cerca de 15 mil
veículos por dia. A duplicação no trecho que liga João Pessoa a Campina Grande,
ajudou a diminuir as estatísticas, e deu mais segurança aos motoristas.
Iniciada em 1995 e, até hoje, apenas cerca de 130 km concluídos, a duplicação
acabou com as colisões frontais. “ Quando há  colisão frontal, a
velocidade dos dois veículos é somada. Os acidentes são gravíssimos e em geral
com óbitos. Nas pistas simples, eles correspondem a 1/3 do volume de
acidentes”.explica o inspetor da PRF Pedro Ataíde.



Os caminhos
que transcendem a morte e alimentam o trabalho infantil




Território sem lei, a BR também serve de 
rota de fuga do tráfico de madeiras, rota do tráfico de animais silvestre e
epicentro da rede de prostituição de crianças e adolescentes na Paraíba. Um
território que ganha força em Patos mais que se estende para outras cidades
sertanejas. Em suas margens, o trabalho infantil ganha forma e desafia as
autoridades. No trecho que liga Junco do Seridó a Patos, crianças se aventuram
tapando buracos em troca de dinheiro e se arriscando na frente dos veículos.
Dos 301 focos de trabalho infantil, identificado pelo Ministério Público em
todas as regiões do Estado, mais de 50% estão localizado nas margens da 230.”É
uma estrada que favorece o trabalho infantil” diz o procurador Eduardo Varandas.



A prostituição infantil também avança nas margens
da BR. O retrato desse problema social pode ser visto numa adolescente flagrada
supostamente buscando programas. Nas proximidades dos  postos de
combustíveis localizado na entrada de Patos, não é difícil se avistar
adolescentes se prostituindo. O corpo visivelmente em formação não traduz a
ingenuidade e a inocência das meninas. O olhar é de malícia. As margens da BR
230 a prostituição infantil ganha força na Paraíba.



Um levantamento recente, realizado pela Polícia
Rodoviária Federal (PRF), revelou que apenas às margens das rodovias federais
que cortam o Estado há pelo menos 62 pontos considerados ‘críticos’ e em que
haveria indícios de existência de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Pelos dados da PRF muitas dessas garotas que ficam nas margens da BR 230, estão
envolvidas com drogas, principalmente o crack e a maconha.



Por causa da BR, a Paraíba é o 11º estado do país
na lista dos que mais têm pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e
adolescentes em rodovias federais, segundo Mapeamento de Pontos Vulneráveis à
Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Federais 2011/2012. A
BR 230 Apresenta 45,38% dos pontos identificados pelo relatório.



BR 230 como fonte econômica



Completando nesta quinta-feira (30) 40 anos, a 230
virou sem dúvida uma estrada de duas mãos. Nela vida e morte se cruzam. A BR
tem grande importância para o desenvolvimento econômico da Paraíba. O movimento
serve como termômetro para medir o crescimento do PIB do Estado, com maior
volume de trocas comerciais. O comércio que nasce as margens da BR de Cabedelo
a se estende até Cajazeiras, aquece a economia e garante o sustento de muita
gente. Os economistas garantem que hoje milhares de paraibanos sobrevivem do
comércio impulsionado pelo movimento de veículos da 230. Inaugurada em 30 de
agosto de 1972, a estrada federal virou fonte de sobrevivência que aquece a
economia da Paraíba. São restaurantes, bares e postos de combustíveis que se
erguem sob o velho asfalto gerando emprego e renda. A BR sem dúvida, também
impulsiona a economia no estado conforme observou o professor da UEPB e
economista Geraldo Medeiros.



Quem resiste por exemplo, a tapioca de Caldas
Brandão, popularmente conhecida como o Cajá? A tapioca do Irmão Firmino por
exemplo, parece ser irresistível. O taxista David Cristiano, 28 morador do
Jardim Atalaia em Campina Grande viaja sempre da Rainha da Borborema para João
Pessoa e sempre para no Cajá para comprar tapioca. “A parada é obrigatória”,
diz. Nas margens da BR, dezenas de pessoas instalam barracas para vender
frutas, milho e outros produtos. “Eu criei toda minha família tirando o
sustento daqui”, revela o comerciante João Carlos da Silva, que vende frutas no
trecho entre Riachão do Bacamarte e Campina Grande.



No trecho do Cajá, outra forte de riqueza é o
artesanato que hoje movimenta a economia do município. Há 40 anos o tráfego que
flui pela BR 230, impulsiona a economia do Sabugi, enquanto que em São Mamede,
onde a passagem de carros, caminhões e ônibus pela rodovia é vital para a vida
na cidade e do funcionamento dos 350 postos de trabalho. Em todo o Sabugi, são
1.464 trabalhadores que ganham o sustento de suas famílias nas margens da BR,
que somadas chegam a 5 mil pessoas.



Os motoristas que seguem com destino ao Sertão inevitavelmente
param em Juazeirinho. O local parece sagrado. As lanchonetes e restaurantes
ficam abertos 24h. Nas horas mais inconvenientes possíveis tem algum
estabelecimento aberto. O motorista Alexandro Gomes Jerônimo conta que sempre
janta em Juazeirinho em um dos restaurantes localizados próximos da 230. O
comerciante Jurandir Lourenço da Silva revelou ao PB Agora por telefone que a
BR foi fundamental para impulsionar os negócios na cidade e movimentar a
economia local. Ele conta que o seu estabelecimento já funciona há 35 anos.
Quando nasceu fazia apenas 5 anos que a BR 230 havia sido inaugurada. “Essa BR
gera riqueza”, diz.



No caminho da BR 230 está o paraíso das redes. A
estrada corta a cidade de São Bento no sertão paraibano. O município é
conhecido por ser economicamente forte devido à produção e ao comércio de
redes. Como distribuidor, fornece para localidades no Estado fronteiriço, como
Caicó, Taipu, Mossoró e Natal. Cerca de 4.500 pessoas saem da cidade para
vender esses produtos, o equivalente a cerca de 15% da população local.



Entre Cabebelo e Catolé do Rocha tem muita estrada
para ser vencida. Ao longo de toda a BR centenas de postos de combustíveis
funcionam garantindo o sustento de muitas famílias. Um dos proprietários do
posto “Cruz da Menina”, na BR-230, instalado na entrada de Patos no Sertão
paraibano garante que a estrada federal beneficia o comércio local.



O posto é um dos mais procurados. Sempre tem
motorista abastecendo seus veículos. O frentista Pedro do posto São Gonçalo
instalado em Sousa, revela que a estrada federal é fundamental para aquecer o
comércio local. O movimento no posto é intenso. O posto é parada obrigatória
dos caminhoneiros. O ano todo. Não tem tempo ruim para o segmento.



BR 230 é rota de entrada do tráfico de drogas



Em entrevista ao PB agora os especialistas
advertem: A BR que nasceu para encurtar distância também tem contribuído para
facilitar a ação das organizações criminosas e principalmente os traficantes.
Planejada para integrar melhor o Norte brasileiro com o resto do país, a
estrada federal vai além do seu papel. Virou rota utilizada por 
traficantes do Estado e braço da criminalidade. Isso porque a estrada dá acesso
a divisa com cidades pernambucanas que estão dentro do polígono da maconha.



O esquema de tráfico internacional de drogas
comandado pela organização criminosa “Cordão”, no Sertão da Paraíba, que
movimentou mais de R$ 70 milhões, em apenas dois anos, usava a BR como rota de
fuga. O delegado Gilson de Jesus Teles revelou que por conta da BR as cidades
que fazem divisa com outros Estados, como Princesa Isabel, São Bento,
Cajazeiras e Monteiro, são encaradas pelos traficantes como “estratégicas” para
a prática do crime. A BR 230 é a principal rota do tráfico “anônimo”, que
atravessa fazendas, canaviais e localidades onde não há presença da polícia, o
que contribui para lucros milionários. Segundo o especialista em Criminologia e
Psicologia Criminal Investigativa Deusimar Wanderley Guedes, presidente da
Comissão de Políticas de Segurança e Drogas da OAB-PB e agente especial
aposentado da Polícia Federal, a droga obedece a itinerários distintos, de
acordo com o tipo. “Basicamente a grande maioria da maconha que chega à Paraíba
vem de Pernambuco, principalmente pelas BRs 230 e 101”, explica.



Em entrevista por telefone ao PB Agora Deusimar
Wanderley observou que a BR 230 foi projetada para facilitar a circulação de
mercadorias legais. Entretanto, por conta de sua localização geográfica, se
tornou caminho para a entrada de drogas. “A BR tem grande importância para o
deslocamento de mercadorias mas a criminalidade se aproveita de sua boa
localização para circular o comércio ilegal de drogas”, alertou. O acesso fácil
da estrada segundo ele, barateia o próprio produto, impulsionando um comércio
perigoso.



As rotas do tráfico de drogas são constantemente
alteradas pelos traficantes para dificultar a ação da polícia. Segundo o agente
especial aposentado da Polícia Federal, Deusimar Guedes, Princesa Isabel e
Manaíra são outras duas cidades apontadas como portas de entrada da maconha no
Estado. Favorecidos pela estrada federal esses municípios são a embocadura da
droga no Estado. De lá os entorpecentes seguem para centros maiores, como
Patos, Campina Grande e a Capital, onde são redistribuídas. Para os especialistas
a segurança precária nas estradas é o vácuo pelo qual o crime vai tentar passar.



A superintendente da PRF na Paraíba Luciana da
Silva Duarte contou ao PBAgora que o tráfico de drogas entra no Estado por
várias rotas clandestinas, e, seguramente passa pela BR 230 em muitos casos.
“Por isso e muito difícil fazer qualquer estimativa sobre o seu trajeto”,
observou.